Para falar de febre maculosa é importante começar citando as capivaras, elas são mamíferos, roedores e herbívoras que possuem hábitos semi-aquáticos e, por isso, residem em locais próximos a rios, lagos e represas. Elas distribuem-se uniformemente pelo Brasil e podem ser encontradas em todos os estados, inclusive em metrópoles, onde sua densidade populacional é maior devido a ausência de predadores naturais, hábitos alimentares não seletivos e alta capacidade reprodutiva. Isso representa um risco de saúde pública porque a capivara é um hospedeiro primário do carrapato Amblyomma sculptum, artrópode vetor da febre maculosa brasileira caso esteja contaminado com a bactéria R. rickettssi, agente infeccioso da febre maculosa brasileira. Portanto a alta densidade populacional de capivaras pode levar a uma infestação destes ectoparasitas e consequentemente a surtos de casos de febre maculosa brasileira.
O carrapato Amblyomma sculptum é popularmente conhecido como carrapato-estrela, rodoleiro, micuim e também costumava ser cientificamente denominado A. cajennense até ser descoberto que essa denominação é na verdade um complexo de 6 espécies da qual o A. sculptum faz parte. O seu ciclo de vida é trioxeno (tem 3 hospedeiros ao longo de seu ciclo de vida) e apresenta apenas uma geração anual, na qual os adultos ocorrem nos meses mais quentes do ano (outubro a março) e as larvas e ninfas nos meses secos e frios (abril a setembro). A transmissão da riquétsia ocorre em qualquer uma das fases do ciclo, por meio das glândulas salivares e, embora tenha sido dito apenas sobre capivaras, esses ectoparasitas podem parasitar outras espécies, principalmente equinos e antas, e devido sua baixa especificidade parasitária, pode ocorrer em humanos e outros animais também.
Ao parasitar humanos ele pode transmitir a febre maculosa caso esteja infectado com a bactéria Rickettsia rickettsii. Há transmissão vertical desta bactéria da fêmea do carrapato estrela para os seus descendentes, então a infecção se mantém entre os estágios evolutivos, mantendo esse agente etiológico durante muitas gerações após a infecção primária. Desta forma, é importante prevenir tais situações e controlar a população de carrapatos de uma determinada área. Para controlar as infestações geralmente são utilizados carrapaticidas, principalmente em cachorros de áreas endêmicas e também em animais de produção como bovinos, equinos, suínos e ovinos.
Os carrapaticidas de uso estritamente veterinário geralmente apresentam a absorção dérmica como forma mais importante de exposição, já que tais compostos são pulverizados diretamente sobre a pele dos animais, aplicados na forma líquida (como na formulação pour on ou spot on), ou também, na forma de banhos (principalmente para os animais de companhia, como cães e gatos, ou animais de produção de pequeno/médio porte) e chuveiros ou banheiros (principalmente para animais de grande porte). Portanto há um risco maior de haver intoxicação de forma tópica ou oral, uma vez que os animais lambem uns aos outros.
Os sinais tóxicos observados são diferentes a depender do carrapaticida utilizado, por exemplo, o Amitraz que é uma formamidina e, por ser relativamente barato e de fácil aquisição, torna o seu uso bastante popular no Brasil. Os sinais clínicos e as alterações laboratoriais induzidas pela intoxicação por amitraz são caracterizados por sedação, perda de reflexos, letargia, alterações no ritmo cardíaco como diminuição e padrões irregulares, queda de pressão arterial, temperatura corporal mais baixa, hiperglicemia, vômito e salivação. Em um estudo retrospectivo sobre as causas mais comuns das intoxicações em cães e gatos atendidos no Hospital Veterinário da Universidade de São Paulo, entre 1998 a 2000, observou-se que em cães 25% dos casos de intoxicação eram por amitraz.
O controle do vetor também pode ser feito a partir de estratégias voltadas ao ambiente em que estão presentes. No caso do carrapato estrela, ele é encontrado em gramados e vegetações onde há circulação de capivaras, antas, equinos ou outros animais infestados, ou próximas a lagos e riachos. Dificilmente esse carrapato será encontrado dentro das residências. Para o controle no ambiente, deve-se utilizar apenas produtos adequados com registro para o carrapato estrela seguindo as orientações de rótulo e com atenção para sua finalidade de uso (distribuição livre para uso doméstico ou de uso profissional). Produtos de uso profissional tem a venda e uso restrito a empresas especializadas em controle de pragas, esses inseticidas requerem cuidados específicos para garantir a segurança das pessoas e dos animais presentes no local. O uso incorreto pode levar a intoxicações e acidentes.
O controle de carrapatos nem sempre é uma receita de bolo e pode variar de acordo com cada contexto. Não deixe de conversar com um médico veterinário para definir qual é a melhor estratégia de controle.
Escrito por: Ana Karoline Martins de Lima
Bibliografia Consultada:
ANDRADE, S. F.; SAKATE, M. Intoxicação por amitraz. Veterinária Notícias, v. 10, n. 1, p. 101–109, 2004.
SPINOSA, Helenice de Souza e GÓRNIAK, Silvana Lima e PALERMO-NETO, João. Toxicologia aplicada à medicina veterinária. . Barueri: Manole. . Acesso em: 25 jun. 2023., 2008
XAVIER, F. G.; KOGIKA, M. M.; SPINOSA, H. S. Common causes of poisoning in dogs and cats in a Brazilian Veterinary Teaching Hospital from 1998 to 2000. Veterinary and Human Toxicology, v. 44, n. 2, p. 115-116, 2002.
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